Cópias de luxo que incomodam empresas e consumidores revelam um mundo obcecado por originais.
Artigo original de João Balieiro Bardy

Uma brasileira entra em um café simples na Tailândia e, para sua surpresa, encontra ali uma xícara da marca de luxo Tânia Bulhões, vendida no Brasil por cerca de 200 reais. Ela filma a cena e posta no TikTok. O vídeo viraliza. Nas redes sociais, consumidores da marca reagem com espanto e indignação: como um item tão exclusivo foi parar em um lugar tão comum?
A polêmica rapidamente se transforma em disputa. De um lado, clientes que associam a marca ao luxo e à exclusividade se sentem traídos. Do outro, a empresa se vê pressionada a explicar como suas peças foram parar tão longe de seu público-alvo. No fundo, porém, há um consenso: originalidade e exclusividade andam juntas — e são elas que conferem valor à marca.
A companhia se justificou afirmando que de fato houve uma venda sem autorização de produtos para o país do sudeste asiático, mas somente de peças que não foram aprovadas no teste de qualidade para o mercado brasileiro.
Apesar disso, novas postagens mostrando produtos similares por preços mais acessíveis em marketplaces como Amazon e Aliexpress mostravam que a companhia foi lenta ao responder às críticas. Quando se pronunciou sobre o assunto 20 dias depois da publicação do vídeo o estrago já estava feito.
O que incomodou no caso da marca de porcelanas, no entanto, foi a ideia de que os originais poderiam ser meras cópias.
Um segundo vídeo publicado na rede social TikTok viralizou ao mostrar uma proprietária das infames xícaras raspando o esmalte de um exemplar seu, revelando que ele teria sido produzido na Turquia. A localização geográfica da produção transformava aquela taça em uma mera cópia.
Um mundo onde cópias são possíveis reduz o valor dos originais. Um problema tanto para a empresa quanto para seus consumidores.
O impasse joga luz sobre como as cópias operam e afetam as dinâmicas de mercado. A opinião de especialistas ressalta a constante luta de mercados de luxo em suprimir cópias e a reação do público expressa uma frustração pela perda da exclusividade do produto e de certa forma seu valor como sujeito.
Ambos os lados dessa disputa partem do mesmo princípio: a propriedade intelectual é a regra do jogo.
A lógica subjacente aqui, na qual meras cópias atrapalham os produtores e consumidores de originais, parte da tese “original é exclusivo e exclusivo é de melhor qualidade”.
Desenvolvemos vínculos afetivos com nossas coisas, as xícaras são símbolos de status, mas a compra de mercadorias de luxo também pode simbolizar a materialização de muito trabalho ou muito acúmulo de capital.
Esse vínculo com bens materiais permite transformar valor — seja financeiro ou sentimental — em algo concreto ao longo do tempo. Não por acaso, marcas de luxo como Tânia Bulhões exploram conceitos como “tradição”, “prestígio” e “herança” para construir sua identidade e criar seus “originais”.
As cópias, pelo menos na forma como são entendidas aqui, são uma consequência dos originais. Elas existem nesta configuração – mais baratas, mais acessíveis, menos prestigiadas – somente em relação a originais.
A reação tanto da empresa quanto de seus consumidores aponta para uma moralização negativa da cópia que nega que o ato de copiar como potência criativa construindo mercados especulativos de “originalidade”.
O que mais incomoda em um mundo obcecado por originalidade não é a existência das cópias, mas o risco de que elas sejam indistinguíveis dos originais. O verdadeiro sintoma dessa era de replicas não e a imitação em si, mas a perda de status dos originais que se tornam apenas mais uma versão de si mesmos.
João Bardy é pesquisador do Passagens e doutorando em Sociologia e Antropologia no PPGSA. É visiting scholar na University of Southern California (USC). Sua pesquisa foca sobre o mercado de medicamentos genéricos no Brasil. Tem interesse nos temas de antropologia dos medicamentos, antropologia das cópias, antropologia médica e da saúde.