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Cultura corporificada: sobre como pensar antropologicamente o surto

Investigação sobre as controvérsias e disputas envolvidas na construção, transformação e aplicação da classificação psiquiátrica da experiência do surto

Dissertação de Pedro Issa

 

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Pieter Bruegel The Elder – Cutting out the Stone Of Madness or an Operation on the Head

 

No decorrer de minha dissertação de mestrado pelo Programa de Pós Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ (PPGSA), busquei dar conta das disputas e tensionamentos envolvidos na construção, transformação e aplicação da classificação psiquiátrica da experiência do surto.

A experiência do surto há muito intriga os psiquiatras, desafiando a fácil categorização nos sistemas nosológicos convencionais. Isto porque uma vez regredido o episódio agudo, o nível pré-mórbido de funcionamento é alcançado novamente e a personalidade reaparece basicamente intacta.

Pode-se dizer que o embaraço provocado pela natureza fugidia do surto manifesta-se, aliás, na incompatibilidade dos parâmetros de duração dos sintomas propriamente psicóticos entre os dois principais sistemas classificatórios de transtornos mentais, o CID (Classificação Internacional das Doenças), produzido pela OMS (Organização Mundial de Saúde), e o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), produzido pela APA (American Psychiatric Association).

Tal assimetria apresenta-se como um dado potencialmente problemático, uma vez que a mesma experiência, dependendo do manual de referência utilizado pelo profissional da psiquiatria, pode ser diagnosticada de formas significativamente diferentes.

Não obstante, ao refletir sobre as diferenças entre a consideração do surto e do transe pelo DSM, me dei conta de que o arcabouço epistemológico mobilizado tanto pela psiquiatria, quanto pela antropologia, funcionava de forma a tornar praticamente impensável as imbricações entre surto e cultura.

Nesse sentido, um dos alvos visados nesta dissertação foi o de elaborar um constructo teórico-metodológico capaz de possibilitar uma análise da experiência e da fenomenologia do surto para além das análises semióticas, que levavam invariavelmente à teorizações calcadas na falta, na negatividade, no vazio da experiência.

Dessa forma, penso que o núcleo axiomático de todos os argumentos desenvolvidos, manifesta-se na defesa do colapso da dualidade natureza//cultura e no seu correlato, a noção de cultura corporificada.

Este esboço de metodologia, calcado no esfumaçamento de rígidas fronteiras conceituais, justifica-se, do meu ponto de vista, por conduzir a uma compreensão mais adequada à natureza complexa e emaranhada das coisas, da realidade, do surto.

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Pedro Issa é pesquisador do Passagens e doutorando em Sociologia e Antropologia no PPGSA.

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